terça-feira, 20 de outubro de 2015

O FALCÃO VINGADOR - By Dourovale

Primeira madrugada do horário de verão!
Por conta do sonho delirante de alguém, justificado (dizem) por umas fórmulas econômicas que eu não entendo, acordei uma hora mais cedo neste domingo.
Infelizmente, caro leitor, a literatura ainda não me traz os rendimentos suficientes para me sustentar sem eu ter que trabalhar em outra coisa. Quem sabe se você comprar um ou mais dos meus livros... talvez divulga-los para que seus amigos comprem...  quem sabe se com seu suor,
a sua boavontade... pode ser que com o seu sacrifício eu consiga dar asas aos meus sonhos e passar a viver apenas de escrever.
Quem sabe?
Quem dera?!!?
 Pode ser?
Por mais que no meu pulso esteja marcado que já são 4:30, meu pulsar sabe que, na verdade, ainda são 3:30. A minha realidade está adiantada e meu corpo atrasado. Não vivo o tempo do agora! Vivo no passado! Não poderia ser mais canceriano...
O trem sacoleja preguiçoso. Parece que o metal também sofre biológica/mecanicamente as ações das alterações forçadas de tempo. Um idiota usando fone de ouvidos, de olhos fechados, alheio ao resto do mundo, bate ritmada e aborrecidamente com a aliança de noivado no balaústre metálico. Parece feliz. Espero que a noiva o largue ainda hoje. Idiota!
Obrigado a compartilhar dessa alegria exclusiva, do desconhecido noivo, descarto qualquer possibilidade de um cochilo reparador.
Não há livro para ler, nem papel ou caneta para escrever.  Sai incompleto de casa. Isto que você lê é o resultado das tais notas mentais. O jeito é observar as pessoas e imaginar suas histórias.
Duas crianças, teoricamente acordadas, ainda não se deram conta que já saíram da cama. Ao lado delas a mãe. Perto dos pés uma sacola/bolsa de plástico duro transparente, recheada de pets de refrigerantes e potes, também transparentes, com comida.
Imagino a personagem que completa o quadro familiar.
O pai, que também é marido, que foi acusado, julgado, condenado por um crime e, por isso, está hospedado em uma dessas penitenciárias da cidade.

Não sei da justiça ou injustiça, da culpa ou da pena. Sei que a visita da mulher é uma opção dela, esteja ela consciente disso ou não. O que me indigna é a provável falta de opção das crianças.
Talvez, se lhes fosse permitido cuidar das próprias vidas, teriam optado por dormirem em suas camas até mais tarde, até bem mais tarde; e, ainda na talvezsão, preferissem passar o resto do domingo brincando no quintal, ou num parque, ou outro qualquer melhor lugar que a Penitenciária. Digo assim pois é em brincar que crianças tão pequenas pensam, penso.
Opções, condições, imposição, destino escrito, destino a ser desbravado. São destas coisas que trata “O Falcão Vingador”, que tive o prazer de assistir ontem (17/10/2015), por opção minha.
A peça conta a história de um rapaz, Lucas Papp, que pretende saltar do alto de uma montanha, usando as asas que construiu com as instruções deixadas pelo pai, e sobrevoar a cidade onde vive que, vista do alto parece uma letra C ou U (ou a junção delas – N.A.). Junto a ele, muito mais animada, está a mãe, Nana Pequini.

Excitada, hesitante a dupla, enquanto espera a hora correta do salto, comenta sobre o povo da cidade,  fala sobre a vida, projetam e rememoram o tempo. Sonhos, medos, dúvidas, conceitos, imposições, desafios, pais e filhos.

Essa coisa de sonhos, limites, conquistas e opções me lembram Fernão Capelo Gaivota, do Stephen King (usando o pseudônimo de Richard Bach). Se não leu, leia.

Luccas Papp é o autor do texto. Muito bom como ator e autor. A peça prendeu minha atenção e nem percebi o tempo passar.
Nana Pequini é amiga/atriz/diretora/coordenadora e tantas coisas mais... Ela já me ajudou a construir uma das minhas asas quando criamos (eu, ela, o Egmar e um tanto de mais gente) o IT IS, que era um site anarquista que pretendia falar livremente de pessoas e artes. Ela está estupenda no seu papel de mãe sufocante, alienada, alienante.


Não conhecia o lugar onde a peça é encenada, VIGA ESPAÇO CÊNICO. O lugar é incrivelmente muito interessante. Cenários e plateia não têm quase distinção. Ao contrário da famosa música, ali o povo vai onde a arte está.
A peça é encenada na Sala Piscina. Umas cadeiras, não muitas, um andaime, um par de asas e dois atores.
A peça me lembrou do meu sonho de sobrevoar de paraglider sobre  a cidade de Urubici. Ainda bem que Urubici não é um C ou U! é um I ou uma seta, sei lá, é Urubici.
Não deixe o seu interesse em ver "O Falcão Vingador" ficar apenas no plano dos sonhos, torne-o realidade.
Bom espetáculo!

Uma dica para quando você for ver "O Falcão Vingador" (ou qualquer outra peça), o melhor lugar é sempre dentro do Espaço Cênico, dentro de qualquer Teatro.
PS: Pensando melhor, espero que a noiva não dispense o alegre rapaz. Não fosse ele este texto seria qualquer outra coisa diferente do que é.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

PARA QUE VER CLARICE LISPECTOR? - By Dourovale

Ontem fui ver a Clarice Lispector. Para quê?
Sai de São Paulo e fui até Campinas apenas para ver Clarice.
Alguém pensou em me corrigir e disse: “Foi ver a Beth Goulart interpretar a Clarice Lispector?”
Foto: Rosana Xavier
Algumas vezes vamos ao Teatro para ver um ator específico, ou uma história que nos interessa. Apesar de saber que se trata de uma das grandes atrizes do atual Teatro Brasileiro, eu não fui ver a Beth.
Fui ver Clarice!
Para quê?
O Teatro Brasil Kirim foi uma grata surpresa. Muito confortável! Bem iluminado quando necessário. A visão do palco foi excelente.
No início da peça as informações de abertura, a ficha técnica, veio numa gravação que, creio, era a voz do Paulo Goulart. Tive o prazer de conhecer o pai da Beth num musical em que seu outro filho, também Paulo, atuava. Ele sentou-se ao lado e, durante a exibição, trocamos alguns comentários. Um dia normal para ele. Um dia especial para mim.

Mas a voz do Paulo me trouxe a informação, em cima da hora, que eu iria ver a Beth Goulart e não a Clarice.
Será que eu precisaria marcar um outro tipo de encontro para ver Clarice?
Nem deu tempo de filosofar muito...
Começou o espetáculo!
E eis que surge a voz estranha, os dedos tortos, a elegância, a sanidade, a loucura, as palavras, as personagens, a vida, as histórias, a pessoa.
Enfim encontrava-me com Clarice Lispector.
O cenário é formado por um divã, uma cadeira, um banco desses para uma pessoa, uma mesinha, a máquina de escrever e cinzeiros. Atrás e envolvendo/protegendo tudo isso uma cortina dessas de muitas tiras, bem fechadas.
Cortinas que servem para nos proteger dos olhares alheios e indevidos. Cortinas que servem para que escondamos o mundo e assim podermos viver plenamente em nós mesmos.

Para mim aquilo representa o cérebro da escritora. E assim, como acontece conosco (ao menos comigo), a realidade, os pensamentos e as histórias que cria misturam-se, completam-se, envolvem-nos.

Talvez as cortinas não sejam mesmo o cérebro, mas apenas um espelho.
Um espelho que reflete Clarice.
Um espelho que reflete suas personagens, que são sua forma de ver e traduzir o mundo e a si mesma.
Um espelho que reflete a nossa própria imagem, o nosso próprio medo daquele animal que nem o nome consigo escrever sem me sentir mal.
Depois do fim da peça a atriz volta ao palco para agradecer e falar.
Difícil! Difícil! Muito difícil!
Deixar de ver Clarice e visualizar a maravilhosa e elegante Beth Goulart.
Aplausos e mais aplausos.
Eu vi Clarice Lispector!
Para quê?
Para poder me ver um pouco sem rótulos e predefinições. Para, egoisticamente, usá-la como espelho.
Fui ver Clarice e me encantei mais ainda com a autora e com a atriz que lhe deu mais um sopro de vida.
Obrigado, Beth Goulart!

Obrigado, Clarice Lispector!

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Eu não sei se pay-per-view o Teatro Mágico... mas eu vi! - Por Dourovale






Foto: Rosana Xavier
Este texto nasce tarde, mas ainda em tempo. Era para ter escrito em junho, logo após a apresentação do TEATRO MÁGICO em Osasco, mas nessas correrias... e lançamento de livro... fui adiando...
Em 27 de março de 1929, os modernistas, liderados pelo Oswald de Andrade, no Restaurante do Mappin, comeram antropofagicamente o senhor Abelardo Pinto, o famoso Piolin. Dizem que o palhaço devorado fez uma esplêndida atuação sobre sua morte. Era o reconhecimento dos artistas modernistas ao talento, não apenas do Palhaço Piolin, mas de toda arte circense.
O circo sempre foi uma arte modernista, mesmo antes do modernismo!
Os ciganos que fugiram das perseguições europeias foram os responsáveis pela “invenção” do circo no Brasil! Creio que o artista circense que mais se adaptou a este país foi o Palhaço. Na Europa eles são mais mímicos, não falam. No Brasil o palhaço fala, dança, canta e interpreta.
Benjamim de Oliveira também foi antropófago, futurista, surrealista e palhaço. Muitos acreditam que a mistura de teatro, música e circo começou com ele. Um modernista antes dos conceitos, das teorias, das análises críticas e artísticas. Um modernista por vocação e não por erudição, assim como todo Circo.
Quando você assiste ao TEATRO MÁGICO é possível vislumbrar, numa mesma apresentação música, teatro, poesia, circo,... Formas artísticas se misturam, desestruturam-se, recompõe-se, e lhe é servido ARTE.
O nome do grupo é inspirado/copiado/antropofagiado do livro “O Lobo da Estepe”, de Hermann Hesse. Foi esse mesmo livro que levou Clarice Lispector a se tornar uma escritora. O livro fala da angústia de quem é ou deixa de ser civilizado e se tornar um analítico crítico dos tempos modernos. O Teatro Mágico aparece para o personagem central de maneira ilusionista num cartaz que informa que a entrada é só para raros. É preciso ser uma pessoa rara para assistir ao Teatro Mágico.
Assim também você tem que ser uma pessoa rara para gostar do grupo TEATRO MÁGICO. Tem que gostar de música, ou de poesia, ou de acrobacia, ou de ilusão, ou de qualquer forma de arte, ou de nada.
O TEATRO MÁGICO é, na minha opinião, a melhor tradução (ou consequência) do movimento modernista na música. As palavras musicadas  do Fernando Anitelli não são letras de músicas, são poesias. E poucos são ou foram os poetas da música brasileira. Vinícius de Moraes, Cazuza, Chico Buarque, Belchior, Fernando Anitelli trabalham as palavras construindo e desconstruindo paradigmas, significantes e significados. Sabe o que isso significa?
Foto: Rosana Xavier
Oswald de Andrade dizia também que um dia o povo provaria os biscoitos finos que ele fabricava. Queria levar a arte ao povo simples que fala “teia” no lugar de “telha”, e “teiado” no lugar de telhado”. O TEATRO MÁGICO faz isso, não diferencia público. Pode se apresentar nos Bank Halls da elite ou num salão atrás da igreja em Santo André.
Foto: Rosana Xavier
Palmas! Aplausos! Assovios! Gratidão!
E a vontade que fica, ao final do show, é dizer:
“Vá! Dê meia-volta... e volta!”

Texto escrito por um admirador secreto chamado Dorival Cardoso Valente.